PEEP SHOW, A MULHER DA MASCARILHA VENEZIANA

São 20 horas e 15 minutos de quarta-feira, 4 de Julho de 2007.
O homem introduz duas moedas de dois euros e duas moedas de um euro na ranhura da cabina número 2.
A mulher da mascarilha veneziana surpreende-se quando a placa de metal sobe. Esconde um papelinho branco rectangular no espaço entre a cama circular (coberta com peles presumivelmente falsas de zebra, ou leopardo, ou tigre) e as paredes das cabinas.
O homem fica curioso. O homem está animado e move-se ao ritmo da música que se ouve na sex-shop. O homem sorri à mulher da mascarilha veneziana. O homem presume que não há mais clientes a ver o show.
A mulher da mascarilha veneziana não sorri. A mulher da mascarilha veneziana tem uns lábios grossos e sensuais e usa “gloss” de tons rosa forte, o que lhe valoriza a boca voraz.
A mulher da mascarilha veneziana nunca esteve em Veneza. O homem que vê dançar a mulher da mascarilha veneziana podia apostar nisso.
A mulher da mascarilha veneziana cumpre o seu ritual friamente. A mulher da mascarilha veneziana não é a Mulher Fatal. A mulher da mascarilha veneziana tem uma tatuagem gigante nas costas mulatas.
O homem não consegue perceber a tatuagem da mulher da mascarilha veneziana. O homem gostava de perceber. Mas a mulher da nascarilha veneziana rodopia ao seu ritmo e o desenho é difícil de compreender.
A mulher da mascarilha veneziana retira a parte de cima do bikini.
A mulher que dança tem uns seios bonitos, médios, de mamilos arrebitados. A mulher que dança é triste. Por trás da mascarilha da mulher que dança está o olhar de uma alma que talvez não saiba dançar há muito tempo.
A mulher da mascarilha veneziana mergulha de repente e lança um braço por trás da cama redonda. Recolhe o papel branco rectangular. Encosta-o no vidro do outro lado da cabina 2. O homem que vê a mulher da mascarilha veneziana percebe que há outro homem a ver o show.
Acaba o tempo da outra cabina e desce a placa de metal. O homem que vê dançar a mulher de mascarilha veneziana ainda vê o outro cliente a voltar as costas e a preparar-se para sair.
A mulher da mascarilha veneziana vira-se rapidamente e vem, solícita, ao encontro do vidro do homem da cabina 2. Encosta o rectângulo de papel branco, com letras maiúsculas escritas à mão: PRIVADO.
Por momentos, o homem assusta-se, como se aquele PRIVADO estivesse a invadir um espaço. Como se estivesse a violar a intimidade da mulher da mascarilha veneziana. Mas rapidamente o homem da cabina 2 se apercebe que aquele PRIVADO é um convite para um show a sós com a mulher da mascarilha veneziana.
O homem da cabina 2 terá cerca de uns 80 créditos, dos cerca de 600 iniciais. O homem da cabina 2 viu dançar, até se acabarem os créditos, a mulher da mascarilha veneziana.
O homem que saiu da cabina 2 fez questão de dizer adeus à mulher da mascarilha veneziana, antes de sair. Para a mulher da mascarilha veneziana ficar a saber que ele não a considerava um pedaço de carne.
Mas o homem da cabina 2 também sabia que a mulher da mascarilha veneziana era um caça-níqueis e estava ali para ganhar dinheiro, sem querer saber muito do homem que a observava.
O homem saiu da cabina 2, agarrou no seu saco de plástico pendurado nas dobradiças da porta da cabina 2. O saco de plástico do homem da cabina 2 trazia lá dentro um exemplar do “Jornal de Letras”, um exemplar da revista “Première”, um exemplar da “Focus”. O homem da cabina 2 tinha ainda um saco preto de pendurar às costas, com mais coisas lá dentro.

O homem da cabina 2 dirigiu-se ao empregado da sex-shop e perguntou-lhe quanto custava um espectáculo privado com a mulher da mascarilha veneziana. O empregado disse que era preciso meter 3 euros na ranhura da cabina junto ao balcão, que tinha a porta aberta e as fotos das outras mulheres, com os números que as identificavam. E depois seria o homem da cabina 2 a combinar o preço com a mulher da mascarilha veneziana.
O homem da cabina 2 sorriu ao empregado da sex-shop, que era muito simpático. O empregado sorriu-lhe de volta. O homem da cabina 2 agradeceu, deu um aperto de mão ao empregado e saiu: “Até um dia destes”.
Apesar das horas (20 horas e 35 minutos) o dia 4 de Julho de 2007 estava límpido e havia muita luz naquela avenida larga de Lisboa.
O homem da cabina 2 sentia-se feliz e triste ao mesmo tempo. Feliz por estar vivo para apreciar aquele céu de Lisboa, tão namoradeiro, tão perfeito, tão sem dramas na vida. E triste por ter descoberto que a mulher da mascarilha veneziana tinha uma alma triste.

Poucos metros à frente, um rafeiro preto, idoso, veio ter com ele. Olhava silenciosamente para a varanda de um prédio onde estava outro cão. Por certo seu amigo e atrasado para um encontro.
O rafeiro preto veio ter com o homem da cabina 2, com um olhar tranquilo e experiente de quem já viu tudo na vida de uma vida de cão.
E o homem que viu dançar a mulher da mascarilha veneziana fez uma festa ao cão, como se o abraçasse e lhe desse umas palmadas nas costas, como fazem os amigos a sério uns aos outros.

O rafeiro preto deixou-se afagar muito naturalmente, porque sabia de uma forma que os rafeiros pretos sabem muito bem quando vivem nos bairros degradados de Lisboa, que o homem da cabina 2, que viu dançar a mulher da mascarilha veneziana, apenas o ia cumprimentar.
E enquanto o homem da cabina 2 lhe fazia uma festa com os dedos indicador e médio da mão direita, o rafeiro preto continuava a olhar para a varanda do segundo andar do prédio onde estava o seu amigo, em silêncio.
E o homem da cabina 2 sorriu para o cão, disse-lhe adeus e só estranhou que o cão que acabara de conhecer o homem da cabina 2, que vira dançar a mulher da mascarilha veneziana, não lhe tivesse pedido um cigarro “Kentucky”, um “Definitivos”, um “Provisórios”. Ou o desafiasse para tomar um copo. Ou se pusesse a comentar as últimas notícias da corrida à presidência da Câmara de Lisboa. Ou se pusesse a discutir os últimos reforços do Benfica.
O homem da cabina 2, que viu dançar a mulher da mascarilha veneziana, gostava de acreditar que tinha uma alma boa.
Mas estas coisas nunca se sabem.
O homem da cabina 2, que viu dançar a mulher da mascarilha veneziana, sou eu.
Medeia Café, Monumental Saldanha, 4/7/2007, 22h44m
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3 Comentários:
Às 7:55 da manhã ,
Anónimo disse...
Pronto, coitadinho, vá lá, não te culpes mais...
Às 10:47 da tarde ,
Anónimo disse...
Infelizmente para os progenitores na menina, o homem da cabine 2 que a viu dançar multiplica-se a todos os minutos. Não se preocupe é só mais uma filha a ser usada. De facto curioso é falar dos cães, eles também usam e vão anadando....
As quatro tábuas virão e com elas o silêncio e a reflexão.........
Às 1:44 da manhã ,
Anónimo disse...
Caro anónimo das 10h47:
Pelo que sei, este Peep já fechou há uns meses, pelo que durou pouco tempo aberto. Não sei quais os motivos. Ou melhor, até sei. Não estaria a compensar o investimento feito e devem ter achado melhor não continuar a acumular prejuízos. Mas é só o que sei.
Quanto aos cães, para aquelas bandas há muitos. Só não lhes faço mais festas porque tenho medo de apnhar pulgas. E um gajo vai mudando de roupa, vai mudando de roupa da cama e elas sempre ao ataque. Pode acontecer que se banqueteiem comigo durante uns 15 dias.
Como disse o Pinheiro de Azevedo, quando foi cercado na Assembleia da República: "Não gosto, pá. Chateia-me". E com as pulgas, o povo (eu) não é sereno.Nem é só fumaça. É mesmo borbulhas.
Saudações desportivas.
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